Como alcançar cada vez mais mulheres – e mulheres cada vez mais diversas?

Aline Midlej comenta “Feminismo em disputa”, de Beatriz Della Costa, Esther Solano e Camila Rocha, afirmando que o livro reforça a necessidade de disposição ao diálogo e a vigilância quanto a nossos preconceitos para que o desejo por libertação e autonomia seja maior que as diferenças.

Por Aline Midlej

Sentimos pela outra, nos comovemos com a outra, nos enxergamos na outra. Somos capazes de nos mobilizar juntas, sim, apesar das diferentes formas de ver. No sentir, podemos enxergar mais do que há em comum. A afetividade e a capacidade de acolher – tão particulares do feminino – são aliadas para a urgente agenda feminista.

É a conclusão a que chego depois de ler este livro, contribuição tão oportuna a estes tempos. Tempos de retrocessos, sim, mas também de abertura de fendas de reflexão sobre o que tem atravancado o avanço de conquistas.

Sonhamos sonhos diferentes, mas todas queremos poder sonhar. Também queremos acreditar nesses sonhos, ter mais valorização diante de nós mesmas e da sociedade. Um espírito feminista nos permeia e transpõe classe, gênero, cor, raça – o desejo por existir plenamente como ser pensante. Mas há um evidente subaproveitamento dos consensos, estimulado pela polarização política; com isso, deixamos de perceber que somos potenciais aliadas.

As novas estratégias passam pela disposição ao diálogo e pela vigilância quanto a nossos preconceitos. Existe sempre uma história vivida, uma educação que abraça ou, por vezes, sufoca a mulher sem que ela consiga respirar suas consciências e seus desejos. O feminismo brasileiro segue em disputa, mas o desejo por libertação e autonomia precisa ser maior que as diferenças.

A palavra é “consciência”. Há um campo fértil, ainda inexplorado, para trabalharmos consciências femininas e feministas. A associação do termo “feminismo” a radicalismos e elitismos insiste em nos afastar dos pontos em que já concordamos. O feminismo está em constante aprimoramento – da conceituação, da amplitude, do desafio do chamamento –, e não podemos diluir o tamanho da força coletiva. Precisamos nos ouvir, como fizeram as pesquisadoras que embasam as análises contidas em Feminismo em disputa: um estudo sobre o imaginário político das mulheres brasileiras, Beatriz Della Costa, Camila Rocha e Esther Solano, que conversaram com mulheres de vários espectros sociais e ideológicos.

Grandes conquistas se deram no contexto da Constituinte em 1988, com o famoso “lobby do batom”. As mulheres chegaram às arenas da política tradicional fortalecidas e organizadas a partir de encontros que começaram dentro de casa, no bar, na praça. E hoje temos ainda uma aliada importante, a tecnologia, que nos permite olhar pela lupa da outra com mais facilidade.

O feminismo tem seus tempos, em cada tempo avança, e um ideal maior e comum de liberdade precisa continuar a nos mover e nos unir.

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Como ampliar os direitos das brasileiras, contando com o apoio de mais mulheres, de diferentes vertentes políticas? Em um momento de extremo embate, com o governo mais conservador desde a redemocratização e em meio a inúmeras investidas para retroceder direitos conquistados ao longo dos anos, essas são questões latentes.
 
Em Feminismo em disputa, as pesquisadoras Beatriz Della Costa, Camila Rocha e Esther Solano apresentam uma minuciosa pesquisa feita com mulheres de vários espectros sociais e ideológicos para entender consensos e dissensos no que diz respeito ao feminismo e aos direitos das mulheres hoje. Uma pesquisa quantitativa realizada pelo instituto Big Data complementa a obra, que traz uma espécie de guia de ação política para conversas com mulheres que se denominam conservadoras, com o propósito de encontrar valores básicos que unam mulheres de campos políticos diferentes e assim construir uma agenda em comum para todas as brasileiras. 

Feminismo em disputa: um estudo sobre o imaginário político das mulheres brasileiras, de Beatriz Della Costa, Camila Rocha e Esther Solano, tem prefácio de Anielle Franco, texto de orelha de Aline Midlej, capa de Giulia Fagundes e coedição com o Instituto Update.


Hoje, às 19h, na TV Boitempo, acontece a live Misoginia, gênero e eleições: como debater com feministas conservadoras?, que marca o lançamento de Feminismo em disputa. O debate ficará por conta das autoras e a mediação será de Beatriz Rodrigues Sanchez:

Saiba mais:
Folha de S. Paulo: Boitempo lançará livro com guia de ação política para dialogar com mulheres conservadoras
O Globo: Apenas três em cada dez brasileiras se dizem feministas, mas apoio a pautas de gênero é maior 
Folha de S. Paulo: Discussão sobre família não pode ficar na mão de Bolsonaro, diz Esther Solano
Ilustríssima Conversa: Esther Solano: Discussão sobre família não pode ficar na mão de Bolsonaro

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Aline Midlej é jornalista, âncora do J10 na Globo, colunista do portal G1 e da Vogue Brasil.

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